“ Um artista não é um tipo especial de pessoa, mas cada pessoa é um tipo especial de artista.” — Ananda Coomaraswamy

A intenção com a palavra singularidade nesse texto, não é um aprofundamento acerca da sua constituição etimológica ou de sua aplicabilidade nos diversos campos da ciência, mas sim pura e simplesmente conduzir-nos à uma reflexão sobre a “coisa singular ou única” que vive em nós e clama por uma certa maneira de experimentar o mundo.

É muito curioso pensar que até hoje já passaram pelo planeta Terra mais de 120 bilhões de pessoas, sendo que nenhuma tenha sido 100% igual a outra, ou pelo menos sem qualquer evidência disso. E porque isso é importante?

“Nós somos seres únicos e estamos vivendo uma experiência única, que nos possibilita um olhar único sobre a vida e um aprendizado único para integrar no universo.” — Oswaldo Oliveira

Esse é um pensamento com o qual tenho me deitado nos últimos tempos e que me indica caminhos sobre a morada da minha singularidade.

Tenho para mim que a minha singularidade mora em cada gota de experiência que vivo e no sentido de vida que sou capaz de formular a partir delas. Trabalhar no reconhecimento e elaboração da minha singularidade é compreender melhor o jogo de quereres (o que eu quero da vida e o que a vida também quer de mim).

Muitas coisas se passaram ao longo da minha vida, e acredito que muitas coisas também se passaram ao longo de sua vida, mas até que ponto, fomos e somos capazes de dar sentido a todas essas coisas que nos aconteceram ou que nos acontecem?

Essa pergunta nos conecta diretamente com uma das grandes crises que nós, seres humanos, vivemos na atualidade. “A nossa crescente dificuldade para elaborar e sustentar o sentido da vida”, como bem apontado pelo pensador chileno Rafael Echeverria.

É com base nos escritos de Jorge Larrosa Bondia — “Notas sobre a experiência e o saber de experiência”, que busquei refúgio para seguir construindo a minha reflexão, um texto cuja proposição é pensar uma educação a partir do par experiência/sentido.

Sim, eu entendo que é preciso nos autoeducarmos para pensarmos em modos distintos de experienciarmos o mundo, se almejamos uma realidade diferente da que se apresenta e, sobretudo, para aprendermos a dar sentido ao que somos e ao que nos acontece.

Pois então, se vivemos numa crise de sentido, quais seriam os possíveis fenômenos na raiz dela?

Bondia, denuncia 4 fenômenos que nos impede atualmente de elaborarmos e darmos sentido à nossas experiências de vida: (i) o excesso de informação, (ii) O excesso de opinião, (iii) O excesso de trabalho e (iv) a escassez de tempo;

É dessa dança contínua de excessos e escassez onde derivam os mais variados artifícios de autoengano que nos impede de PARAR, parar para experienciar a vida, e por isso, nada nos acontece, a experiência não se completa.

Essa experiência da qual nos fala Bondia, é aquilo que nos passa, aquilo que nos acontece, aquilo que nos toca e não simplesmente aquilo que se passa, aquilo que acontece ou aquilo que toca. Para que haja experiência, é necessário que haja também a presença de um sujeito, “o sujeito da experiência”, esse sujeito que se dispõe e se abre para os acontecimentos, se “expõe” com toda a vulnerabilidade que isso traz.

É com essa postura, de sujeitos da experiência, que a experiência nos toca e nos transforma para transformarmos também a nossa realidade.

Compreendendo melhor a experiência e o sujeito da experiência, é apropriado assumir que, ainda que dois sujeitos passem pelo mesmo acontecimento a experiência de cada um será única e singular, uma vez que cada um se relacionará com o acontecimento conforme sua própria estrutura perceptiva.

Por isso Oswaldo Oliveira comenta sobre o aprendizado ou saber único que somos capazes de integrar no Universo.

É relevante notar que esse aprendizado, esse saber, não se trata de encontrar A VERDADE das coisas, mas sim de elaborar os sentidos sobre o que nos acontece, enquanto um caminho para o autoconhecimento e autodesenvolvimento, a apropriação de si.

Um caminho muito mais autêntico e conectado com nossa singularidade do que os modismos de autoajuda com os quais frequentemente nos deparamos e suas fórmulas mágicas sobre os 3,5,6,7,10 passos para conquistar a vida idealizada, sempre terceirizando as nossas vidas e concedendo créditos à voz de um especialista ou de um salvador, um ídolo, a outro sujeito com sua experiência singular, enquanto em realidade, fugimos de nós mesmos e da nossa experiência única de vida.

Apropriar-se do nosso caminho autêntico, implica desafiar essa promessa ilusória e idealizada da felicidade eterna, da meta que se busca a todo custo, que inclusive nega outros sentimentos que nos compõe como frustrações, perdas, sofrimento e, que acaba por nos enfraquecer enquanto indivíduos ao mesmo tempo em que nos afasta das experiências e dos afetos ocasionando uma diminuição da potência de nossa existência.

Importa saber, como nos diz Viviane Mosé:

Sofrimento e contentamento são afetos distintos e necessários em uma mesma porção de vida, eles não se opõem mas sim se compõem. Necessitamos transcender o “ou” que exclui, limita e abrir espaço ao “e” que agrega e amplia. Pois querer eliminar o sofrimento é o mesmo que eliminar a vida.

Sem a menor pretensão de expressar verdades absolutas, ou de indicar um caminho moral, escrever esse texto foi o meio que escolhi para elaborar e sustentar sentido em minha vida, como forma de expressar pensamentos que me atravessam e me afetam, abraçando a minha singularidade.

Diria ainda que foi um meio para assumir-me enquanto sujeito da experiência “expondo-me” no mundo com toda a vulnerabilidade que isso traz, sem uma meta ou objetivo para ser alcançado, mas apenas por entender que é necessário abrir esse espaço para essa experiência e reconhecer a grandeza que há nisso.

“O que há de grande no homem é ser ponte, não meta: o que pode amar-se no homem é ser transição e um ocaso.” — Nietzsche, por Viviane Mosé

Encerro essas linhas com uma intenção, a de ser ponte para a sua reflexão e de reforçar a minha. Enquanto isso, sigo rabiscando as folhas do porvir com cada gota de experiência que por fim darão o tom da minha própria obra de arte, minha vida.